segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Crônica sem jabuticabas

Estava sentado no fundo do ônibus vazio. Dia ensolarado, trânsito livre, uma brisa amena e improvável lambia a cidade de São Paulo. Férias, dentro e fora de mim. Meus pensamentos iam tão soltos e distantes que já haviam rompido o fino fio que os ligava à minha cabeça: se me perguntassem por onde andavam, não saberia dizer. Foi então que surgiu diante de mim a idéia, nítida e apetitosa: jabuticaba. Há quanto tempo eu não comia uma jabuticaba?
Em poucos quarteirões, passei da distração à obsessão: tinha que comer jabuticabas. Fiquei lembrando da infância na fazenda de um amigo, tardes e tardes no pomar, a árvore cada vez mais branca e o chão cada vez mais preto com as dezenas de cascas espalhadas...
Desci do ônibus na frente de um supermercado. Entrei na enorme loja fazendo um discurso interno sobre as maravilhas da modernidade, todos aqueles itens à minha disposição, num único local: pasta de dentes, suco de caju, tampa de privada, moela de frango, pilhas alcalinas, bacias coloridas, maracujás... Morangos... Mangas... E as jabuticabas???
Pedi ajuda a um funcionário que passava por ali. Ele me olhou como se meu pedido fosse absurdo, uma excentricidade. Pegou então um radinho e, depois de um breve chiado, soltou: "ô Anderson, você sabe se a gente tem jabuticaba?". Do outro lado o tal do Anderson respondeu, depois de algum suspense: "Negativo, Jailson, negativo". Jailson olhou para mim, com certa consternação (não sei se calculada ou sincera) e repetiu, como se eu não tivesse ouvido: "Negativo, senhor".
Supermercado inútil, repleto de coisas inúteis, nenhuma delas jabuticaba. Saí. Andei alguns quarteirões, achei uma quitanda. Nada por ali também. "Você sabe se eu encontro em algum lugar por aqui? Sabe se é época? Se tem algum mês do ano, assim, que tem jabuticaba e outros que não tem?". "Olha moço, sei lá, comecei a trabalhar aqui anteontem..."

Fui para casa. Já mais movido pela birra que pelo desejo, vasculhei na internet as prateleiras de todas as redes de supermercados da cidade. Nada. Não havia, na quarta maior metrópole do mundo, na cidade mais rica da América do Sul, uma única, uma mísera jabuticaba. Se naquele exato momento eu quisesse comprar uma máquina industrial de lavar roupas, um quilo de maconha, um caminhão-pipa, sexo, pastilhas importadas para dor de garganta, três peixinhos dourado, sexo sadomasô, um DVD do Julio Iglesias cantando em Acapulco, eu poderia. Mas não queria. Queria jabuticabas.
Naquele instante, o homem ter ido à Lua. Ter clonado uma ovelha, pintado a Capela Cistina, inventado a penicilina, o avião, a pipoca de microondas e todas outras conquistas da civilização... não me valiam de nada, na monumental e incontornável ausência da jabuticaba.

                                                                           



                                                                           Antônio Prata