Crônica sem jabuticabas
Estava sentado no fundo do ônibus
vazio. Dia ensolarado, trânsito livre, uma brisa amena e improvável
lambia a cidade de São Paulo. Férias, dentro e fora de mim. Meus
pensamentos iam tão soltos e distantes que já haviam rompido o fino
fio que os ligava à minha cabeça: se me perguntassem por onde
andavam, não saberia dizer. Foi então que surgiu diante de mim a
idéia, nítida e apetitosa: jabuticaba. Há quanto tempo eu não
comia uma jabuticaba?
Em poucos quarteirões, passei da
distração à obsessão: tinha que comer jabuticabas. Fiquei
lembrando da infância na fazenda de um amigo, tardes e tardes no
pomar, a árvore cada vez mais branca e o chão cada vez mais preto
com as dezenas de cascas espalhadas...
Desci do ônibus na frente de um
supermercado. Entrei na enorme loja fazendo um discurso interno sobre
as maravilhas da modernidade, todos aqueles itens à minha
disposição, num único local: pasta de dentes, suco de caju, tampa
de privada, moela de frango, pilhas alcalinas, bacias coloridas,
maracujás... Morangos... Mangas... E as jabuticabas???
Pedi ajuda a um funcionário que
passava por ali. Ele me olhou como se meu pedido fosse absurdo, uma
excentricidade. Pegou então um radinho e, depois de um breve chiado,
soltou: "ô Anderson, você sabe se a gente tem jabuticaba?".
Do outro lado o tal do Anderson respondeu, depois de algum suspense:
"Negativo, Jailson, negativo". Jailson olhou para mim, com
certa consternação (não sei se calculada ou sincera) e repetiu,
como se eu não tivesse ouvido: "Negativo, senhor".
Supermercado inútil, repleto de
coisas inúteis, nenhuma delas jabuticaba. Saí. Andei alguns
quarteirões, achei uma quitanda. Nada por ali também. "Você
sabe se eu encontro em algum lugar por aqui? Sabe se é época? Se
tem algum mês do ano, assim, que tem jabuticaba e outros que não
tem?". "Olha moço, sei lá, comecei a trabalhar aqui
anteontem..."
Fui para casa. Já mais movido pela
birra que pelo desejo, vasculhei na internet as prateleiras de todas
as redes de supermercados da cidade. Nada. Não havia, na quarta
maior metrópole do mundo, na cidade mais rica da América do Sul,
uma única, uma mísera jabuticaba. Se naquele exato momento eu quisesse comprar uma
máquina industrial de lavar roupas, um quilo de maconha, um
caminhão-pipa, sexo, pastilhas importadas para dor de garganta, três
peixinhos dourado, sexo sadomasô, um DVD do Julio Iglesias cantando
em Acapulco, eu poderia. Mas não queria. Queria jabuticabas.
Naquele instante, o homem ter ido à
Lua. Ter clonado uma ovelha, pintado a Capela Cistina, inventado a
penicilina, o avião, a pipoca de microondas e todas outras
conquistas da civilização... não me valiam de nada, na monumental
e incontornável ausência da jabuticaba.
Antônio Prata